Wednesday, November 29, 2006

Iaiá

Iaiá, hoje eu vim espalhar um sorriso pra você, porque lembrei de um pezinho de pequi que eu plantei lá na fazenda
quando você nem imaginava o que era pequi.
Eu lembrei do primeiro espinho que grudou na minha língua, suja de leite e Quick.
Eu lembrei ainda dos passarinho, que o Neto derrubava com o estilingue,
e das rodopiadas doidas que eles davam antes de morrer. Cada peninha eu pensava em fazer um colar, um brinco.
Você Iaiá, não fez parte da minha infância, tão pouco da minha pré adolescente unicor,
mas deu uma cor de caqui na minha juventude, cor de lima, cor de parede, de bicicleta, de papai noel.
Quando eu morrer, eu vou virar um pé de jaca, só pra ser bem grande e um monte de gente ficar em baixo, e você vai ensinar seu neto me aguar, fazer xixi em mim, sua neta vai dar uns agarrões no namorado dela, enconstados em mim.
Toda sua vida vai se escorar em mim daqui pra frente.
Eu podia Iaiá te fazer um poema que falasse de amor e de saudades,
eu podia até te fazer ficar com os olhinhos cheios de água,
podia te agradecer por favores, mas eu nem vou... Eu vou é viver, porque assim eu te pago melhor,
com um monte de prestações gostosas de serem pagas.
Você lembra quando ia correr no mato, lá em Mato Grosso e os carrapichos grudavam na sua calça, sempre larga - tanto pano desnecessário para tanta perna fina- e quando você parava de correr e ia tirar os carrapichos da roupa, você não fazia como qualquer criança; não gritava, nem se irritava, você gritava sua mãe, em português mesmo, e pedia uma caixinha, e você guardava todos eles, pra ver como se grudavam, você era assustadora Iaiá, assim como você é até hoje.
Dos seus 13 anos eu só me lembro de um picolé, picolé de uva, que deixava seus dentinhos cor púrpura, o carrinho passava e você pedia para seu irmão pará-lo, tão tímida que não podia gritar com o picolezeiro. Com um picolé Iaiá, você causava inveja na rua inteira, porque se entregava de corpo e alma a ele.
Quando fez 18 nunca imaginou entrar em um hard core, mas entrou de pura birra, a partir daí gostava de usar sapatos diferentes e pintar seus cabelos, nem se lembrava dos carrapichos, que já haviam tantas vezes grudado em suas calças largas. VocÊ não gosta Iaiá de compartilhar as alegrias; ou você as têm sozinha, ou não as têm, e isso não é tão ruim quando parece, a mim, me parece que não gosta de coisas picadas ( no seu aniversário vou te dar um bolo de avelã).
Eu posso até te contar como você estará daqui a uns 20 anos, ou 10, mas eu prefiro não, pra não estragar a surpresa, mesmo sabendo que você adora estragar surpresas. Quer que eu fale do filho? Do marido? Do país? Dos sapatos ?
Não, vou falar pior, vou falar de pezinho de pequi que eu plantei, que daqui a duas vidas, será a sua alma gêmea. Coma todos os frutos dele, mas cuidado com os espinhos.
(Se você leu até aqui é porque vai comer, senão leu, nunca saberá disso, mas logo morrerá de fome, de sede, de carência, sem árvore pra encostar, e sem amigos pra escrever bobeiras.)

Saturday, November 18, 2006

Sinestesia (ou sábados sicários)


"...a emoção acabou, que coincidência é o
amor, a nossa música nunca mais tocou."

Cazuza


Nesse momento, espero que breve,
pensei nos sábados nossos.
Tão nossos que não merecem um adjetivo,
Somente esse pronome o pode o qualificar.

Nem pão, nem água,
Somente o quarto,
Na sua função simples,
Nos era suficiente.
E todo o mundo fora de lá
Tinha milhares de quilômetros,
O quarto era grande,
Desproporcional ao insignificante tamanho do universo.
E lá já não fazia chuva,
Nem sol,
Nem frio,
Nem calor,
No quarto, sinestésico,
A temperatura tinha cheiro,
E o cheiro tinha cor,
E todas as cores tinham luz,
Porque todo aquele universo tinha você.
Eu tinha você,
E até você ainda tinha você.

Todos os gestos eram lentos,
Mesmo os mais bruscos
E todas as sensações eram inesquecíveis,
Mesmo as mais comuns
Todos os sexos
Mesmo os não orgásticos.

Todas as mãos se juntavam,
Todos os corpos do universo eram atraídos por você,
Esse sol atraente,
Sustentador,
Enérgico.

Quando a tarde terminava,
Terminava também o dia,
Porque já não havia mais sentido existir luz.
Não havia o barulho desinteressante da TV,
Nem os reflexos idiotas do sol lá de fora.
Porque as atenções eram tantas às nossas respirações
Que esquecíamos que os outros seres vivos também respiravam,
Ousando,
Possuir também um pedaço do universo.
Depois da tarde, antes de chegar outro dia,
Durante o “tempo perigoso” do dia,
No qual a vida não clama mais por nada
Eu ainda sentia você,
Inteiro,
Calmo e presente.
E continuaria a sentir ,
Por todos os dias,
Todos os anos,
Toda vida;
Não fosse você ter esquecido essa energia em algum lugar,
Não fosse a ocorrência da demolição daquele pequeno universo,
Do qual os cacos voaram
E acertaram pessoas,
Me acertaram em cheio.
Sangrou.
E por causa de uma cicatrização mal feita,
As vezes ainda escorre você,
Que ainda circulava na veia,
No antigo tempo de pulsação.
Aquelas tardes...

Wednesday, November 08, 2006

Impressões, impressionistas, e impressionados.


Escolhi o quadro da mulher de costas, para parbenlizar a atitude dela. Sem ver, se dar a cara. Ignorando.
Talvez o exercícos mais mágico para o ser humano seja ignorar. Pronto, decidi: Isso é uma arte. E como a arte pesa nessa hora.
É preciso bom senso, segurança, pra pisar somente onde se deve: E nem precisa ser tão firme assim. Soberba não é não dialogar, soberba é não pensar em dialogar, mas eu pensei, e como... mas, o bom senso impera sempre e diz: Exija algo, Déborah. Exija coisas mínimas! ( E nem estamos falando de educação, inteligência, astúcias; estamos falando de dente, cabelo, noção).
É impressionante, e de tão incompreensível, sem nexo. Trás um sentimento que dá saudade, é nostálgico devido à distância que tem do presente, tão sensato e coerente, é nostalgico porque já não condiz com o tempo presente. Tempo de busca, de espera (no mínimo).
Me proponho a redigir sobre o que compensa e o que não compensa, mas desisto logo, pois isso é coisa muito individual.
Queria agora o quadro de uma mulher de frente, dessas que mostram o rosto, porque acabei de me lembrar do quão covarde é o anonimato.