Friday, September 15, 2006

Paralelas.


Desencontrei, e não é fácil desencontrar. Duas direções opostas que não se cruzam, nem aqui, nem no infinito! Muito menos no infinito! Mas isso não é todo ruim. O desencontro faz crer que teremos uma topada, brusca e infalível, lá na frente, pouco antes do infinito.

Wednesday, September 13, 2006

Córrego Seco



Tudo aqui é barro,
Cheiro de terra,
De água bem distribuída,
De céu nublado e rio frio.
De madeira molhada e longe.

Tudo é estrada,
Estrada de terra,
Plantação de banana,
Pé de limão.
Cabelo preso,
Roupa quente.

Tudo é lembrança,
Pé descalço, vara de goiabeira,
Doce de laranja.
Manteiga, milho cozido.
Casa do vô, da vó, das tias.
Bica, queda d´água.

Tudo é saudades.
Fazer, no sentido de tempo decorrido.
Agir, no sentido de vontade.
Sonhar , no sentido de esperança.
Viver no sentido de só viver mesmo.

Friday, September 08, 2006

Resposta à carta de Maria Clara Dunck




Goiânia, 8 de setembro de 2006



Maria Clara,

Depois de muito duvidar sobre o entendimento humano, tenho me deparado com pessoas que possuem olhos críticos e vontades inteligíveis (ou não), e uma delas, e grande representante é você. Fiquei feliz sobre o que escreveu sobre o meu texto e creio que a graça e interesse do ser humano pelo outro e até mesmo pela vida está inteiramente nesse fato: o de descobrirmos novos mundos. E a procura é lenta e interessante, e, ao mesmo tempo inatingível, por isso somos seres tão complexos e capazes. Essa procura incessante e subjetiva faz com que nós procuremos meios de nós expressarmos. Meios tão subjetivos e pessoais quanto nós mesmos, e desses meios, acredito que o mais expressivo, seja a arte.
Assim como te disseram os críticos, os poetas, os artistas; a vida tem me dito, ou melhor, segredado que o ser humano se reduz a um sentimento único, e esse sentimento se metamorfoseia gerando outros e outros, e mesmo que pareçam muito diferentes, não passam da variação de um mesmo sentimento-base. Essa idéia que acabo de lhe descrever não são ditadas por um princípio romântico (mas pode ser antiquado e démodé), e muito menos por um princípio científico, porque tenho me dado mal com o empirismo pregado pelas academias, mas me dado bem com a evolução de idéias próprias, que muitas vezes somente a vida vem nos provar (e isso não é moderno, nem surreal...). Inclua às idéias de Camus, depois suas, o meu nome também; apesar de que se eu tivesse que escolher “um lado” para desvendar o ser humano, eu sinceramente não saberia. Acho que o mais interessante está no todo e simultaneamente, e não em partes isoladas e fragmentadas. Quanto à definição de conhecer, deixemos pra uma outra carta (ou um romance!).
A idéia do bem, muitas vezes idealizada, e aparentemente distante é o tem me feito acreditar todos os dias em uma engrenagem do mundo, uma força que seja sincera e natural, ou não é capaz de atingir o mundo todo. A velha teoria do caos “O simples ruflar da asa de uma borboleta em um determinado espaço pode causar um tufão do outro lado do planeta...” faz todo sentido nesse caso, e voltemos para o nosso romantismo démodé! (momento reservado para lembrar de um sorriso).
Maria Clara, independente de teorias que surgiram, ou venham a surgir, espero que consigamos manter o caráter observatório, esse simples e natural, que envolve umas simples cartas entre amigas. As teorias, com todo o respeito a todas elas, envolvem questionamentos que podem ter sofrido influências de todas as partes, nenhum ser humano elabora um teoria pura, sem que nela estejam contidas as suas vivências e características. Por esses motivos, e por possíveis vários outros, é que o mundo existe em um ciclo não muito variável. O ser humano, como pertencente ao ciclo, é o que tem nele de mais complexo e variável. O ser humano se veste todos os dias, antes mesmo de sair de casa, e só se despe dessa vestimenta quando encontra outra mais confortável.
Fico muito feliz que meu texto tenha te levado a ter um pensamento profundo e reflexivo, muitas vezes isso não acontece comigo, mas acho que o tal ciclo, não variável, está em nós, e naturalmente a vida nos conduz para um caminho repetitivo, mas cheios de pequenos detalhes e pormenores que nos fazem grandes.
Obrigada pela oportunidade de discutirmos pensamentos tão pessoais, que de uma forma tão distorcida acaba atingindo seres tão grandes como é você. E com toda licença encerro minha carta com um texto seu, que vem a calhar nesse momento:
“(...)Quem comanda esse absurdo?
E será que existe alguma semelhança entre os iguais?
(...)
Então eu canto a mim mesma,
Uma cantiga velha de um compositor velho,
Mas que ainda não morreu
E a terra continua girando em torno do sol,
Meus pensamentos giram em torno da lua
E eu não dou moral da história ao poema
Porque isso não me convém.”


Sem despedidas convenientes para o momento.
Déborah Dias.

Carta de Maria Clara Dunck

Goiânia, 31 de agosto de 2006.

Déborah,

Pelo que disse em seus escritos, realmente me debati por minutos imaginando a multiplicidade de mundos que temos em cada pessoa e a quantidade de pessoas que temos no mundo. Penso que por isso somos separados por regiões, religiões, classes e sentimentos, pra que possamos escolher, baseados em quais atributos quisermos, as pessoas as quais queremos seus mundos desvendar. Eu não poderia desvendar o mundo inteiro, nem você, nem ninguém. Então vamos escolher nossas pessoas desvendáveis, se é que as são: opa, será esse questionamento mais uma grande frustração? Espero que sim, e espero que não...
Albert Camus vive me dizendo que “Provavelmente seja verdade que um homem permanece eternamente desconhecido para nós e que nele há sempre algo de irredutível que nos escapa”. E nele – mesmo que eu não o tenha como um deus ou um ídolo, mas como um homem, preso à nossa mesma condição – acredito piamente. Se fôssemos decompor um homem, eu não começaria pelo cérebro. Dizem os especialistas, os donos de teses, os naturalistas de ideologia, que nosso cérebro é, do nosso frágil corpo, aquilo que de mais complexo podemos encontrar. Mas, não sei se concorda com meu pensamento “romântico-antiquado-demodé”, que profano a todo momento, que o órgão de maior complexidade é o nosso amável, e propenso a agente e paciente de sua própria adjetivação, o coração.
Nossos ancestrais, sejam lá quem foram exatamente, viviam nos dizendo que se conhece um homem pelo coração. Eu conheço um homem por aquilo que eu vejo, pouco sabendo ser isso é o coração ou não. Nem vou me delongar no que seria “conhecer”, já que esse estudo me seria muito mais complexo que esse ao qual estou me propondo mediocremente aqui. Expondo o que os homens são verdadeiramente ou não, a gente – eu e Camus – concordamos, numa sincronia perfeita, que apesar desse desconhecimento profundo do homem, o conhecemos na prática “... e os reconheço em sua conduta, no conjunto de seus atos, nas conseqüências, que sua passagem suscita na vida”.
No absurdo que vigora o mundo hoje, ou que descobrimos vigorar desde sempre, mesmo depois de tanto tempo de humanidade, junto ao caos que tanto o homem quanto o próprio mundo insiste em instaurar, e às dúvidas várias que nos assolam diariamente na espera incessante por Godot, cabe a mim, homem/mulher nesse mundo, acreditar naquela esperança clichê, mas ainda viva, que o bem no coração do homem (detalhe: coração, não cérebro), ainda é capaz de me fazer acordar pela manhã, tomar um café e dizer: bom dia!
Na República de Platão, lemos: “... no mundo inteligível, a idéia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe em todas as coisas; no mundo visível, ela engendrou a luz e o soberano da luz; no mundo inteligível, é ela que soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública.” E eu tenho de concordar. Todos nós ainda temos.
Por isso, nesse infinito de pessoas que conhecemos, conheceremos, lembramos ou esquecemos, o que convém descobrir ou implantar nas pessoas, ou arrancar delas de qualquer jeito, é essa idéia do bem; melhor ele, propriamente ou literalmente dito e redito quantas vezes for necessário. O bem, natural ou não ao homem, é ainda involuntário, por vezes, e temos de zelar por isso. Mesmo que ele venha egocentricamente, em forma de manutenção do bem por nós mesmos, pelo bem-estar emocional ou físico, como o próprio Camus me disse a pouco: “O juízo do corpo tem o mesmo valor que o do espírito, e o corpo recua diante do aniquilamento. Cultivamos o hábito de viver antes de adquiri o de pensar”. E isso não podemos reclamar da sociedade contemporânea, ou moderna, ou pós-moderna, ou ainda caótica: a vida humana ainda vale alguma coisa para algumas pessoas. Creio que a idéia de vida é a idéia do bem, mesmo que sob várias contradições históricas, filosóficas, políticas, etc. Mas que outros se preocupem com isso.

Abraços,

Maria Clara Dunck