Friday, September 11, 2009

O homem que queria contar o mundo


Num lugar tão longe, e num tempo tão atrás que nós não conseguimos imaginar muito bem, vivia um homem que estava cansado de todos os dias contar ovelhas. Para cada ovelha que passava pelo seu cajado o homem colocava uma conta, e assim, passadas todas as ovelhas, uma a uma, o homem com seu saco cheio de contas saía para subir o morro e levar seus animais pra comer em lugar de grama mais verde. Como o rebanho por bem teimava de crescer, o homem tinha a cada dia uma conta a mais pra carregar, e não findando seu trabalho ele se tornou cansado pelo desgaste de cada dia carregar mais contas.
A cada amontoado de contas o homem deu um nome. Essa era uma idéia sua. O nome ele escolheu como quis. Agrupava agora as ovelhas! Se eram muitas chamavam “cem”. Se eram menos chamava “trinta”. Até que se nascesse uma preta e ele quisesse a colocar sozinha, a chamava “uma”. Desse modo o homem não mais precisou levar sacos com contas. E tudo ficou mais bonito. Se o céu ficava estrelado ele não cansava de levantar a cabeça e agrupar as estrelas: Cinco, vinte, cinqüenta, cem... mil... como são muitas! ele aprendeu que existe o muito, e depois aprendeu que existe o pouco. Ele aprendeu também que existem coisas que não podem receber nomes, porque são tantas tantas, a essas coisas ele chamou de infinito, de longe, de tudo. O homem teve uma idéia de quantas coisas existem no mundo sobre a que não sabemos, sobre a que não podemos amontoar ou dar nomes.
Aos nomes que dava ao grupo de coisas ele chamou “números”. Ensinou para todos sobre os números. As pessoas então começaram a se ver assim. De dois em dois, de cinco em cinco. E não mais como representações naturais do que seriam os grupos. Em tudo existia a idéia de quantidade. Daí então, para cada “cinco” pesos de grãos, “uma” ovelha. Para cada “três” amontoados de trigo, “um” pedaço de couro. A sua gratidão, a ternura pelo que trocava já não estava na conta, pois essas coisas não se pode numerar. Agora era mais justo usar os números para que todos tivessem a mesma quantidade.
Mas a notícia dos números não chegou igualmente em todas as partes do mundo. Enquanto em alguns lugares as pessoas faziam seus cálculos (que agora já não eram somente pedrinhas), outras ainda não sabiam da novidade, e viviam do modo de contar anterior, ordenando as coisas em suas equivalências. Pesando em suas trocas também os seus sentimentos e seus valores. Ali, uma flor poderia ser trocado por uma roda, dependia do que ela representava pra alguém. Já para os que conheciam os números isso não acontecia. Tudo tinha peso e medida. As pessoas que souberam primeiro sobre os números juntaram tantas coisas que poderiam agora fazer grandes trocas com aquele pessoal que não aprendeu a contar. Desses dois povos, que jamais souberam se equivaler, foram surgindo outros povos, que carregavam consigo as mesmas informações e desinformações que seus antepassados.
O homem que inventou os números, quando viu que sua ciência havia deixado as coisas tão complicadas, chorou “mais de cem lágrimas”, calculou. Ele soube que tinha “cinco” filhos, “uma” esposa, mas que ele mesmo, nunca poderia ser nomeado com um simples número, e isso o fez se sentir fora do mundo.
Ele não sabia que em outras partes do mundo, já haviam inventado coisinhas que se juntavam para darem sentidos a coisas maiores, que estariam muito bem se não fossem descobertas ou nomeadas.
Até hoje tem gente que não entende o que o homem queria dizer, outros fingem que não sabem que muita gente ainda não aprendeu a usar “números”, e ainda têm aqueles que fazem piada com a ciência dele.

2 Comments:

Blogger Maria Clara Dunck said...

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7:55 AM  
Blogger Maria Clara Dunck said...

Fez uma excelente versão da invenção do números! Acho que todos nós nos sentimos assim, meio que só mais um algarismo na multidão...

7:57 AM  

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