Carta de Maria Clara Dunck
Goiânia, 31 de agosto de 2006.
Déborah,
Pelo que disse em seus escritos, realmente me debati por minutos imaginando a multiplicidade de mundos que temos em cada pessoa e a quantidade de pessoas que temos no mundo. Penso que por isso somos separados por regiões, religiões, classes e sentimentos, pra que possamos escolher, baseados em quais atributos quisermos, as pessoas as quais queremos seus mundos desvendar. Eu não poderia desvendar o mundo inteiro, nem você, nem ninguém. Então vamos escolher nossas pessoas desvendáveis, se é que as são: opa, será esse questionamento mais uma grande frustração? Espero que sim, e espero que não...
Albert Camus vive me dizendo que “Provavelmente seja verdade que um homem permanece eternamente desconhecido para nós e que nele há sempre algo de irredutível que nos escapa”. E nele – mesmo que eu não o tenha como um deus ou um ídolo, mas como um homem, preso à nossa mesma condição – acredito piamente. Se fôssemos decompor um homem, eu não começaria pelo cérebro. Dizem os especialistas, os donos de teses, os naturalistas de ideologia, que nosso cérebro é, do nosso frágil corpo, aquilo que de mais complexo podemos encontrar. Mas, não sei se concorda com meu pensamento “romântico-antiquado-demodé”, que profano a todo momento, que o órgão de maior complexidade é o nosso amável, e propenso a agente e paciente de sua própria adjetivação, o coração.
Nossos ancestrais, sejam lá quem foram exatamente, viviam nos dizendo que se conhece um homem pelo coração. Eu conheço um homem por aquilo que eu vejo, pouco sabendo ser isso é o coração ou não. Nem vou me delongar no que seria “conhecer”, já que esse estudo me seria muito mais complexo que esse ao qual estou me propondo mediocremente aqui. Expondo o que os homens são verdadeiramente ou não, a gente – eu e Camus – concordamos, numa sincronia perfeita, que apesar desse desconhecimento profundo do homem, o conhecemos na prática “... e os reconheço em sua conduta, no conjunto de seus atos, nas conseqüências, que sua passagem suscita na vida”.
No absurdo que vigora o mundo hoje, ou que descobrimos vigorar desde sempre, mesmo depois de tanto tempo de humanidade, junto ao caos que tanto o homem quanto o próprio mundo insiste em instaurar, e às dúvidas várias que nos assolam diariamente na espera incessante por Godot, cabe a mim, homem/mulher nesse mundo, acreditar naquela esperança clichê, mas ainda viva, que o bem no coração do homem (detalhe: coração, não cérebro), ainda é capaz de me fazer acordar pela manhã, tomar um café e dizer: bom dia!
Na República de Platão, lemos: “... no mundo inteligível, a idéia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe em todas as coisas; no mundo visível, ela engendrou a luz e o soberano da luz; no mundo inteligível, é ela que soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública.” E eu tenho de concordar. Todos nós ainda temos.
Por isso, nesse infinito de pessoas que conhecemos, conheceremos, lembramos ou esquecemos, o que convém descobrir ou implantar nas pessoas, ou arrancar delas de qualquer jeito, é essa idéia do bem; melhor ele, propriamente ou literalmente dito e redito quantas vezes for necessário. O bem, natural ou não ao homem, é ainda involuntário, por vezes, e temos de zelar por isso. Mesmo que ele venha egocentricamente, em forma de manutenção do bem por nós mesmos, pelo bem-estar emocional ou físico, como o próprio Camus me disse a pouco: “O juízo do corpo tem o mesmo valor que o do espírito, e o corpo recua diante do aniquilamento. Cultivamos o hábito de viver antes de adquiri o de pensar”. E isso não podemos reclamar da sociedade contemporânea, ou moderna, ou pós-moderna, ou ainda caótica: a vida humana ainda vale alguma coisa para algumas pessoas. Creio que a idéia de vida é a idéia do bem, mesmo que sob várias contradições históricas, filosóficas, políticas, etc. Mas que outros se preocupem com isso.
Abraços,
Maria Clara Dunck
Déborah,
Pelo que disse em seus escritos, realmente me debati por minutos imaginando a multiplicidade de mundos que temos em cada pessoa e a quantidade de pessoas que temos no mundo. Penso que por isso somos separados por regiões, religiões, classes e sentimentos, pra que possamos escolher, baseados em quais atributos quisermos, as pessoas as quais queremos seus mundos desvendar. Eu não poderia desvendar o mundo inteiro, nem você, nem ninguém. Então vamos escolher nossas pessoas desvendáveis, se é que as são: opa, será esse questionamento mais uma grande frustração? Espero que sim, e espero que não...
Albert Camus vive me dizendo que “Provavelmente seja verdade que um homem permanece eternamente desconhecido para nós e que nele há sempre algo de irredutível que nos escapa”. E nele – mesmo que eu não o tenha como um deus ou um ídolo, mas como um homem, preso à nossa mesma condição – acredito piamente. Se fôssemos decompor um homem, eu não começaria pelo cérebro. Dizem os especialistas, os donos de teses, os naturalistas de ideologia, que nosso cérebro é, do nosso frágil corpo, aquilo que de mais complexo podemos encontrar. Mas, não sei se concorda com meu pensamento “romântico-antiquado-demodé”, que profano a todo momento, que o órgão de maior complexidade é o nosso amável, e propenso a agente e paciente de sua própria adjetivação, o coração.
Nossos ancestrais, sejam lá quem foram exatamente, viviam nos dizendo que se conhece um homem pelo coração. Eu conheço um homem por aquilo que eu vejo, pouco sabendo ser isso é o coração ou não. Nem vou me delongar no que seria “conhecer”, já que esse estudo me seria muito mais complexo que esse ao qual estou me propondo mediocremente aqui. Expondo o que os homens são verdadeiramente ou não, a gente – eu e Camus – concordamos, numa sincronia perfeita, que apesar desse desconhecimento profundo do homem, o conhecemos na prática “... e os reconheço em sua conduta, no conjunto de seus atos, nas conseqüências, que sua passagem suscita na vida”.
No absurdo que vigora o mundo hoje, ou que descobrimos vigorar desde sempre, mesmo depois de tanto tempo de humanidade, junto ao caos que tanto o homem quanto o próprio mundo insiste em instaurar, e às dúvidas várias que nos assolam diariamente na espera incessante por Godot, cabe a mim, homem/mulher nesse mundo, acreditar naquela esperança clichê, mas ainda viva, que o bem no coração do homem (detalhe: coração, não cérebro), ainda é capaz de me fazer acordar pela manhã, tomar um café e dizer: bom dia!
Na República de Platão, lemos: “... no mundo inteligível, a idéia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe em todas as coisas; no mundo visível, ela engendrou a luz e o soberano da luz; no mundo inteligível, é ela que soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública.” E eu tenho de concordar. Todos nós ainda temos.
Por isso, nesse infinito de pessoas que conhecemos, conheceremos, lembramos ou esquecemos, o que convém descobrir ou implantar nas pessoas, ou arrancar delas de qualquer jeito, é essa idéia do bem; melhor ele, propriamente ou literalmente dito e redito quantas vezes for necessário. O bem, natural ou não ao homem, é ainda involuntário, por vezes, e temos de zelar por isso. Mesmo que ele venha egocentricamente, em forma de manutenção do bem por nós mesmos, pelo bem-estar emocional ou físico, como o próprio Camus me disse a pouco: “O juízo do corpo tem o mesmo valor que o do espírito, e o corpo recua diante do aniquilamento. Cultivamos o hábito de viver antes de adquiri o de pensar”. E isso não podemos reclamar da sociedade contemporânea, ou moderna, ou pós-moderna, ou ainda caótica: a vida humana ainda vale alguma coisa para algumas pessoas. Creio que a idéia de vida é a idéia do bem, mesmo que sob várias contradições históricas, filosóficas, políticas, etc. Mas que outros se preocupem com isso.
Abraços,
Maria Clara Dunck
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