Verde com flores
Primeiro eu ouvi assustada. Depois, daqui mesmo, do meu quarto eu identifiquei, o barulho foi horroroso, coisa de outro mundo, como se jogassem um saco cheio de água, eu levantei, não muito rápido, pois eu estava entretida, e olhei pela janela. E daqui mesmo eu vi, o corpo no chão, estirado, do avesso, revirado, tão bagunçado que eu nem sei o comportamento daquele objeto. Logo vi quem era: A velha da feira, porque aos domingos ela sempre usava aquele vestido, verde com flores.
Na verdade eu poderia parar essa história aqui mesmo, pois coisa mais interessante do que aquele barulho acho que não pode existir, nem ser contado, isso me deixa um pouco triste porque eu não posso dividir com vocês. Só eu quem guardou aquele estrondo, porque acredito que para mim ele teve uma sonoridade especial, dado a distância que esteve aqui da janela do meu quarto. Já que eu comecei a história de um jeito muito ruim (comecei pela parte melhor, a qual vocês não podem ouvir.) agora vou tentar falar sobre o dia-a-dia da senhora do vestido verde com flores.
Todos os dias, por volta das 8 horas da manhã tem um vizinho que vai tirar a caminhonete (modelo 86), para ir trabalhar (eu não sei que diabos de trabalho é esse que existe até aos domingo). Eu digo todos os dias porque minha imaginação me dita isso, pois eu nunca estou em casa as 8 da manhã exceto aos domingos, quando estou em casa e tento dormir até mais tarde. Bem, todos os domingos às 8 da manhã, se tornou um ritual aqui em casa: Minha mãe logo ao primeiro barulho da caminhonete, coloca a cabeça pela janela e pede para ele tentar fazer menos barulho, porque tem uma filha que só tem um dia na semana para dormir até mais tarde, a partir daí parece mágica, a caminhonete faz tanto barulho, mais tanto barulho que , assim como a queda da senhora, eu não posso explicar. Então eu me levanto e grito com o senhor, já com o consentimento da minha mãe. Essa senhora, a da queda, sempre estava passando, eu pensava: Isso são horas de ir a feira? Um dia até critiquei as compras e tal. Ela tinha uma bolsinha preta, dessas de zíper, e com uma das mãos puxava o carinho de feira, e com outra segurava a bolsinha, ela segurava de uma forma especial como se na mão dela, bem pequena, coubesse a bolsinha inteira. Uma cena ridícula de simples.
Eu criei um laço com essa senhora, desses laços estranhos, que a gente cria mas ninguém sabe, porque um dia eu desisti da idéia de acordar depois das 8, então eu ia a feira e comprava uns pasteis aqui pra casa, aliás 5. Não sei porque arrisquei um “bom dia”, e daí, aos domingos sempre nos cumprimentávamos. Casual, friamente. Teve até um dia que passei na porta o prédio dela, vi o carrinho no térreo, olhei, e nada.... Única coisa que já falou comigo foi um dia que resolveu chupar um picolé. Pediu de uva, mas a embalagem era amarela, então, ela me perguntou: “Que que tá escrito aqui?” –Sabe aquele jeito que só os velhos tem de perguntar? – Eu disse que era uva mesmo. E fiquei pensando nisso, muito humilhante não poder comprar um picolé por conta própria.
Já que , e eu já tinha avisado, que não tenho nada pra contar sobre essa senhora, eu fico pensando no exato lugar em que caiu o corpo. O lugar nunca se abalou por alguém ter morrido ali, os lugares são frios, não demonstram. Sabe quando alguém morre, sempre aparece alguém pra dizer: Hoje até o dia está triste. Nesse dia não. O dia parecia extremamente feliz. O mundo nem sentiu. Os carros passam naquela rua, e nem sequer imaginam que alguém interrompeu por conta própria um cotidiano simples. As pessoas conversam sobre aquele lugar, as crianças posicionam o gol aos sábados, bem naquele lugar. Eu imaginei meu corpo naquele lugar, e gelei. Depois imaginei as pessoas passando, os namorados beijando, as feirantes correndo... Tudo sobre aquele lugar. E eu já tão longe dele. Eu me lembrei agora do susto que levei quando vi o corpo no chão, eu chamei o meu pai, e ele :”Fecha o olho”. Eu fechei olho, e tento o manter fechado para alguns lugares assim, eu tento o manter fechado para as memórias que se apagam rápido. Eu anda prestando muita atenção aos lugares. Eu piso com cuidado sobre os chão. Para não pisar na memória, nem no cotidiano de ninguém.
Na verdade eu poderia parar essa história aqui mesmo, pois coisa mais interessante do que aquele barulho acho que não pode existir, nem ser contado, isso me deixa um pouco triste porque eu não posso dividir com vocês. Só eu quem guardou aquele estrondo, porque acredito que para mim ele teve uma sonoridade especial, dado a distância que esteve aqui da janela do meu quarto. Já que eu comecei a história de um jeito muito ruim (comecei pela parte melhor, a qual vocês não podem ouvir.) agora vou tentar falar sobre o dia-a-dia da senhora do vestido verde com flores.
Todos os dias, por volta das 8 horas da manhã tem um vizinho que vai tirar a caminhonete (modelo 86), para ir trabalhar (eu não sei que diabos de trabalho é esse que existe até aos domingo). Eu digo todos os dias porque minha imaginação me dita isso, pois eu nunca estou em casa as 8 da manhã exceto aos domingos, quando estou em casa e tento dormir até mais tarde. Bem, todos os domingos às 8 da manhã, se tornou um ritual aqui em casa: Minha mãe logo ao primeiro barulho da caminhonete, coloca a cabeça pela janela e pede para ele tentar fazer menos barulho, porque tem uma filha que só tem um dia na semana para dormir até mais tarde, a partir daí parece mágica, a caminhonete faz tanto barulho, mais tanto barulho que , assim como a queda da senhora, eu não posso explicar. Então eu me levanto e grito com o senhor, já com o consentimento da minha mãe. Essa senhora, a da queda, sempre estava passando, eu pensava: Isso são horas de ir a feira? Um dia até critiquei as compras e tal. Ela tinha uma bolsinha preta, dessas de zíper, e com uma das mãos puxava o carinho de feira, e com outra segurava a bolsinha, ela segurava de uma forma especial como se na mão dela, bem pequena, coubesse a bolsinha inteira. Uma cena ridícula de simples.
Eu criei um laço com essa senhora, desses laços estranhos, que a gente cria mas ninguém sabe, porque um dia eu desisti da idéia de acordar depois das 8, então eu ia a feira e comprava uns pasteis aqui pra casa, aliás 5. Não sei porque arrisquei um “bom dia”, e daí, aos domingos sempre nos cumprimentávamos. Casual, friamente. Teve até um dia que passei na porta o prédio dela, vi o carrinho no térreo, olhei, e nada.... Única coisa que já falou comigo foi um dia que resolveu chupar um picolé. Pediu de uva, mas a embalagem era amarela, então, ela me perguntou: “Que que tá escrito aqui?” –Sabe aquele jeito que só os velhos tem de perguntar? – Eu disse que era uva mesmo. E fiquei pensando nisso, muito humilhante não poder comprar um picolé por conta própria.
Já que , e eu já tinha avisado, que não tenho nada pra contar sobre essa senhora, eu fico pensando no exato lugar em que caiu o corpo. O lugar nunca se abalou por alguém ter morrido ali, os lugares são frios, não demonstram. Sabe quando alguém morre, sempre aparece alguém pra dizer: Hoje até o dia está triste. Nesse dia não. O dia parecia extremamente feliz. O mundo nem sentiu. Os carros passam naquela rua, e nem sequer imaginam que alguém interrompeu por conta própria um cotidiano simples. As pessoas conversam sobre aquele lugar, as crianças posicionam o gol aos sábados, bem naquele lugar. Eu imaginei meu corpo naquele lugar, e gelei. Depois imaginei as pessoas passando, os namorados beijando, as feirantes correndo... Tudo sobre aquele lugar. E eu já tão longe dele. Eu me lembrei agora do susto que levei quando vi o corpo no chão, eu chamei o meu pai, e ele :”Fecha o olho”. Eu fechei olho, e tento o manter fechado para alguns lugares assim, eu tento o manter fechado para as memórias que se apagam rápido. Eu anda prestando muita atenção aos lugares. Eu piso com cuidado sobre os chão. Para não pisar na memória, nem no cotidiano de ninguém.
1 Comments:
Que conto bonito! E com que poesia você o encerra: "Eu piso com cuidado sobre os chão. Para não pisar na memória, nem no cotidiano de ninguém.".
Adorei, é claro!
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