Thursday, October 12, 2006

Luiza quadrada


Eu me assustei com a imagem que Luiza descreveu: A pessoa morta com a mão pra fora da cova! não dá pra acreditar que a mãe dela falava isso mesmo, com o objetivo de fazer com que a menina não pegasse nada "emprestado" das amigas e "esquecesse" de devolver. A vó era pior, disse pra pobre que se ela não desvirasse o chinelo, assim que o visse, a mãe ia morrer logo (e a menina corria pra desvirar os chinelos, pra que a mãe -a ameaçadora- permanecesse viva enquanto existissem chinelos para serem desvirados). Um dia -era tempo de manga- a menina teve vontade de subir no pé e pegar uma fruta sem ser do chão, ela não gostava de frutas que amassavam, aquele pedaço mole, onde a poupa da fruta parecia moído, -ela dizia que amargava- lá veio uma tia (que morava no interior de Minas e tinha vindo para o casamento de um parente): Luiza, vai que você cai desse pé!, já pensou nisso minha fia, que trabái que um ia dá, tem osso que num cola não viu? E Luiza desistia. Queria leite; mas não podia porque ela tinha comido cajá manga, e "isso dá uma indigestão sá". Luiza nunca dormiu sem escovar dentes, nunca escrevia palavras difíceis , pra não tem perigo de erar, nunca nada... Quando viajava pra Brasília era o exemplo das primas: pijamas adequados, meias de dormir, cabelos penteados. Luiza se casou na igreja principal da cidade em que morava,longe do mês de agosto, longe dos dias treze dos meses, marido bacana e advogado, flores do campo. Carregou na barra do vestido o nome de todas as suas primas solteiras, nunca recebeu mal as visitas, trocava os lençois dos quartos duas vezes por semana, tudo assim, quadradinho, meticulosamente calculado. Depois de casada Luiza nunca abriu a geladeira se estivesse "como o sangue quente", nunca viajou sem fazer: em nome do pai, do fiho do espírito santo, amém. Teve um filho, e ensinou pra ele todas as "regras" que aprendeu. Ela nunca fez sexo do jeito que queria, ela se sentia espantada com suas vontades -nem nunca fez do tanto que queria-, seu marido usava meias muito brancas, calças muito bem passadas. E pra quê saber mais de Luiza?
(Agora devo interromper essa história, já está tarde e hoje é sexta feira treze, ainda por cima parece que vai chover).

1 Comments:

Blogger Maria Clara Dunck said...

Ah, Déborah... não sei se parabenizo você por ter escrito TÃO BELO CONTO ou se parabenizo seus pais, seu estado, seus amigos de infância, seus professores etc, por terem influído na sua educação, no seu intelecto, na sua sensibilidade.

Me surpreendi com esse escrito. Li com muita vontade e admiração, sério mesmo! Ficou magistral...

6:53 AM  

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